Abriu a porta a custo, tinha sempre a sensação de
estar num espaço que não lhe pertencia, numa intimidade que não era sua.
A luz pálida do fim da tarde entrava pelas
persianas, uma penumbra esbatia os contornos e tornava tudo irreal. Lá estava o
telefone antigo na entrada. Lembrava-se ainda de ouvir a campainha tocar com
estridência, até que alguém perguntava “Quem fala faz favor?” e depois algumas
frases e sempre a terminar “Eu não esqueço, não se preocupe, eu dou o recado”.
A casa mantinha-se fechada, cheia de segredos que
ninguém queria desvendar; só ele se atrevia a abrir portas, entrar na
biblioteca, escolher um livro, às vezes dois. Escrevia sempre no caderno os
títulos e os autores.
Era uma espécie de ritual, tirava do bolso a
caneta preta que herdara do avô e com a sua letra inconfundível e quase
indecifrável tomava nota.
Hoje estava perdido, a irrealidade do lugar, a
sua própria irrealidade, não lhe permitia escolher fosse o que fosse.
Sentou-se à secretária e começou a escrever:
“Estou aqui sem conseguir perceber porque volto a
esta casa, onde já nada é vivo, mas nada ainda morreu na minha memória. Queria
que estivesse aqui. O espaço está cheio da sua ausência, e eu estou à espera
que o vazio se preencha com a sua voz e que eu possa perguntar: mas porquê, mas
porquê, a vida, a morte, porquê avô?
Adivinho a sua reposta:
“Sabes, o belo da vida é que não é eterna. Já
pensaste no peso da eternidade?”
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