terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Balanço - perdas e ganhos


Os anos não acabam, continuam suavemente no decorrer dos dias que marcam o início de um novo ano. Nós também não mudamos, apesar das promessas, dos desejos, e do entusiasmo que queremos ter ao baterem as doze badaladas.
O ano foi bom, difícil, angustiante, desgastante, feliz, infeliz? Às vezes foi tudo isso em doses moderadas, outras vezes não houve moderação e os tempos de dor acentuaram-se de tal maneira, que todo o resto se desvaneceu em cores pálidas. Não gosto de falar de sentimentos tão íntimos como ausência, perda, vazio, tenho a sensação de estar a fazer uma espécie de strip tease sentimental e que deveria ser capaz de resolver essa complexidade dentro de mim, sem precisar de escrever ou falar do que se passa quando reconhecemos que o vazio não será preenchido, e que a ausência será para sempre. Talvez eu esteja assim a estender a mão a alguém, a querer sentir o calor e a força de outra mão, os dedos entrelaçados nos meus e as lágrimas a caírem sem pudor.
Foram muitas perdas já, fui ganhando e perdendo resistência sem saber bem até quando podia, até quando era capaz. E no entanto aqui estou, viva ainda, sem amargura, sem medo, procurando analisar o que permanece intacto dentro de mim, o que merece a pena preservar, o que merece a pena eleger e cultivar, esperando talvez de forma quase irracional uma recompensa que não sei qual é.
A dor é um percurso solitário, ninguém do outro lado pode medir, pesar, avaliar. A dor é nossa, como também é nossa a capacidade de deixar que cicatrize, mesmo quando o processo é longo e doloroso. Tenho pensado muito nisso e reconheço na minha resiliência uma característica que me protege da melancolia e da solidão. Sou ainda capaz de rir e considero o sentido de humor uma espécie de privilégio que me permite dar um passo em frente e continuar.


“Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena, e, para mim, basta o essencial!” Mário de Andrade 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

"REQUIEM"



Chegou demasiado tarde. O destino não esperara por si. Olhava para trás procurando encontrar razões para aquele desencontro… ambos tinham sido capazes de ultrapassar barreiras sociais, familiares e agora quando o caminho parecia livre e que poderiam caminhar lado a lado, olhando o horizonte e vivendo o futuro que tantas vezes lhes preenchera os sonhos, o desejo, a imaginação, agora, chegara demasiado tarde.
O barco afastava-se lentamente, deixando atrás um sulco branco de espuma que se desfazia, como se desfazia a esperança, o sonho, a vida.

Não tinha mais força, deixou-se cair na água revolta do mar…

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

“….Cada palavra tem o dever de não ser nenhuma coisa.” Mia Couto


“Parole, parole, parole…” lembro-me da canção. Palavras que largamos sem sentido, que enchem o espaço e desaparecem segundos depois. Palavras que não exprimem a verdade, porque não queremos que ninguém diga a verdade. Recordo a peça “Huis Clos”de Sartre que vi em Paris há muitos, muitos anos, agora quase tudo foi há muitos, muitos anos. Três, seriam mais? Três personagens fechados num quarto, dizendo mentiras que queriam que fossem verdades e quando realmente a verdade apareceu percebem que estão no inferno.
O inferno da verdade, das palavras que não escondem nada, que estão ali ameaçadoras, acusadoras, não há benevolência na verdade. “Nua e crua” por alguma razão a verdade amedronta, fugimos dela porque nos sentimos incapazes de viver só com ela. A mentira é aquilo que muitas vezes queremos ouvir, aquilo que nos permite continuar, afastamos a verdade com um gesto brusco e deixamos que a mentira nos possua.

Palavras que esquecemos, que não têm cheiro nem sabor, ou têm? Palavras que não são palpáveis, ou são? Agarramos a palavra, seguramos com força e quando abrimos a mão não está lá nada, nada. Palavras que exprimem emoções, raiva e impotência, palavras carinhosas que nos acariciam, que tocam o nosso corpo e agitam a nossa consciência …e depois impiedosamente nos deixam vazios.