“A indiferença
espalhava-se, subtraindo-lhe o entusiasmo, talvez até a coragem”
Deixara de olhar o sol, as árvores, as nuvens, as
flores, a areia, o mar. Desde que ele se fora embora que aos poucos se fechara
no seu interior, presa ao seu passado, como se o presente não existisse, não
tivesse significado, já não chorava, mas também já não ria.
A indiferença, insidiosa, silenciosa, tomara
conta dela, e os dias corriam iguais, deixando o tempo tirar àquele rosto que
já fora expressivo, toda a esperança e vivacidade. Abandonara a luta, não
queria ter forças, recusava-se a ter coragem. Já não merecia a pena.
“A alegria era tão forte que se julgou capaz
de explodir”
Tinham passado anos, as memórias diluíam-se mas
ficavam no entanto aqui e ali lembranças pintadas a cores fortes que teimavam
em não se desvanecer.
Entretinha-se a abrir capítulos da sua vida talvez a querer arrumá-los, dar-lhes uma certa ordem, uma certa coerência. Mas depois
tudo se desarrumava novamente e voltavam as cores fortes de episódios
distantes.
O passado, outra vez o passado, sabia que o
tinha, era aliás a única certeza que ninguém lhe poderia tirar. Não se atrevia
a pensar no futuro, faltava-lhe a coragem, ou vontade, não sabia bem. Apoiava-se
talvez demasiado em tudo o que tinha sido e que não voltaria mais.
Lia e relia as cartas que guardara com cuidado,
como um tesouro frágil. As cartas, as mais belas cartas de amor, intensas,
fortes, verdadeiras. Tinham passados tantos anos… seria que o reconhecia se o
visse. Os olhos eram azuis não eram?
Encostou-se no cadeirão, fechou os olhos… que
estranha sensação essa do passado presente ao mesmo tão ténue e intenso. Sim, gostaria de o ver mas perdera-lhe o rasto.
Adormece, acorda com o telefone a tocar repetidas
vezes…atende ensonada, do outro lado uma voz masculina:
-Será que ainda te lembras?