segunda-feira, 27 de março de 2017

Uma teia de aranha no sótão



No sótão estou eu e tudo aquilo que fui e sou. Já há algum tempo que o tema me persegue, a certeza absoluta que só sei o que possuo, o que ninguém me pode tirar, o que permanecerá em mim até ao fim, é o meu passado.
Não é pesado, mas já é longo, uma espécie de teia de aranha de fios finos mas todos parte de mim. Chega a ser engraçado olhar para a teia, tecida com todo o cuidado e saber que tudo aquilo faz parte de um percurso não linear, não transparente, mas que consigo decifrar quando procuro um dado, um capítulo esquecido … enigmática a teia de aranha? Talvez, mas só para aqueles que procuraram um caminho sem curvas, nem contra curvas, plano, previsível. Enquanto isso eu ia tecendo e a teia ganhava força, e os fios brilhavam, e alguns insectos ficavam presos no entrelaçado.

A minha teia de aranha tenho ainda que cuidar dela, não vou deixar que ninguém se atreva a apagá-la. No dia em que desaparecer, desapareço eu também, porque eu sou a teia e a teia sou eu.

domingo, 26 de março de 2017

O vento está cansado...


Ali estava a nuvem negra, imensa, olhando para mim, perscrutando o meu íntimo, ameaçando-me.
O vento recolhera-se por trás das árvores seculares. Estava cansado, o vento, já não tinha forças para assustar ninguém. Cansara-se de afogar barcos, revolver o mar, matar árvores frágeis que se dobravam à sua passagem. O vento queria paz, queria não ter voz e que tudo se remetesse ao silêncio mesmo correndo o risco de ser ensurdecedor. O silêncio amordaçado, pronto a rebentar numa tempestade desfeita onde os relâmpagos pareciam fogo-de-artifício.

Senti-me esmagada pela ameaça daquela nuvem intimidadora  lembrando-me que tudo tinha um fim e que a linha do horizonte não era uma miragem, mas sim uma fronteira pela qual eu passaria transformada numa nuvem branca atravessada pelos raios do sol que mergulhava no mar.