Era tão delicada que o fez estremecer. A voz suave daquela mulher
era-lhe tão pouco habitual que virou a cara com medo de a enfrentar. Sentia-se
incapaz de a olhar de frente, aliás não olhava ninguém de frente; fingia-se
distraído, dizia qualquer coisa sem graça e saía de perto para não ser
confrontado com uma pergunta directa.
Tinha horror à sinceridade e à espontaneidade.
Disfarçava as suas fragilidades vestindo-se bem, sempre com as camisas
impecavelmente passadas, as gravatas sóbrias e fato escuro de bom corte. Quem o
via até era capaz de o achar “distinto”, quem o conhecia tinha-lhe asco. Não
hesitava em inventar calúnias e a puxar o tapete aqueles que lhe faziam frente:
Tortuosamente, insinuava, dizia que tinha ouvido, que tinha visto e minava a
reputação e o trabalho dos outros.
O “chefe”
achava-o imprescindível, competente e fiel. Fiel? Não, subserviente, sem coluna
vertebral, um verme.
Sabia-se odiado, mas protegido pelo chefe
mantinha um sorriso falso, às vezes o nervosismo fazia-o gaguejar. Nas
costas os colegas imitavam-no e estalavam as gargalhadas. Adivinhava que
se riam dele, mas sabia que se poderia vingar pela calada.
E agora
aquela voz, não sabia o que fazer… há muito que ninguém
lhe falara com gentileza, esquecera-se do significado da palavra.
Tinham
passado vinte anos. José chegava ao
fim de uma carreira sem brilho, gaguejava muito mais e o cabelo ralo dava-lhe
um ar de cão rafeiro.
Naquele tempo em que o chefe o protegia, achava-se intocável e tivera a ilusão que
poderia durar para sempre.
Depois houve a entrada da Drª. Bárbara para a
chefia do departamento. Ficara deslumbrado e apaixonou-se perdidamente. Não
ela. Inteligente, viva, intuitiva, feminina, Bárbara percebeu a paixão e
usou-a. José passou a ser uma espécie de escravo, os relatórios mais enfadonhos,
as tarefas mais burocráticas, eram da responsabilidade dele. Bastava-lhe falar
na sua voz suave, um pouco rouca e passar os dedos pelo cabelo louro: “O José não se importa
pois não?” E ele ficava no escritório, trabalhava horas e horas, só para
ouvir: “Você é um querido, obrigada.”
A atmosfera
ficara menos tensa e mais arejada. Bárbara não permitia a intriga, as insinuações,
cortava o mal pela raiz.
José
reduziu-se à sua insignificância. Os anos passaram e hoje seria a última vez
que ela lhe pediria na sua voz suave:
“Não se importa de me preparar o café?”
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