quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Sabemos tão pouco...


As janelas da biblioteca estão abertas de par em par. Os raios de sol iluminam as prateleiras viradas a nascente; o resto permanece ainda na penumbra do amanhecer.
Magnifica colecção de livros que a família adquiriu ao longo dos últimos duzentos anos. Homens notáveis tinham ido ali procurar edições raras e beneficiar da paz e silêncio para reflectir, ler e escrever. Era uma atmosfera quase religiosa, um lugar onde o passado se entranhava no presente e se projectava no futuro. A calma era total, só a brisa leve da Primavera agitava as folhas dos plátanos e o cheiro da madressilva perfumava o ar.
Martim é o neto mais novo e também o mais intelectual; a biblioteca é o seu mundo, passa horas folheando livros, tomando notas. Tinha agora a responsabilidade da reorganização de toda a literatura do século XIX e XX. Quer tornar aquele espaço público, deixar que outros possam encontrar ali a resposta a dúvidas e a inspiração para novos projectos. Naquela manhã sente-se renovado, a Primavera deixa-o estimulado, possuído por uma nova energia.
Entra decidido a encontrar um livro raro de poesia, escrito por um famoso poeta da época e ilustrado pela sua avó. Não a conhecera, mas sabia que era dotada de uma rara sensibilidade e uma enorme independência de espírito. O avô nunca falava dela, Marim achava estranho mas não fazia perguntas.

Os livros de poesia estão nas prateleiras de cima e de difícil acesso; empurra o pequeno escadote e começa a procurar. Sim, é aquele mesmo, na capa o desenho de um pássaro. Abre-o curioso e ansioso como se estivesse a entrar na intimidade de alguém, folheia-o, duas rosas secas estão coladas às primeiras páginas. Começa a ler e não quer acreditar; são poemas de amor intenso, liberto, quase libertino, dedicados a Vitória…sua avó.

1 comentário:

  1. Desafio subtil, dimâmico, suave, ritmado, inspirador ( os livros... os livros que tanta falta nos fazem e muitas vezes ficam esquecidos algures á espera de serem abertos) espectante e no final apetece abraçar o Marim:)

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