quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Cores   &   Emoções

Não queria lembrar-se daquele Verão. Talvez o Verão mais quente da sua vida. A água do mar gelada. Uma contradição, uma espécie de castigo, de punição. A noite negra, sufocante, ameaçadora. Impossível dormir mesmo com as janelas abertas de par em par.
Um Verão vermelho, abrasador. Havia no ar uma ameaça, algo que podia acontecer mas que pressentia que não seria bom.
Os arrozais verdes lembrando um relvado, eram uma esperança falsa de uma frescura que não chegava.
Sentou-se na cadeira, não abrira o livro, não sentia coragem e no entanto era o seu livro, a sua história, a sua vida.
Escrevera-o a custo, vasculhando no armário do passado e encontrara memórias de tristezas esquecidas, de amores vividos e risos perdidos. Nada voltaria, o passado não volta, temo-lo mas não o conseguimos agarrar. O passado é forte, poderoso e frágil ao mesmo tempo.
A cadeira balançava suavemente e os arrozais agitaram-se com a brisa que surgia vinda do mar.

Adormeceu.

sábado, 1 de novembro de 2014

A carta aberta...


Estivera a arranjar as gavetas da secretária. Mantinha, arrumadas por ordem de datas todas as cartas que ele lhe escrevera durante os anos que durara aquela paixão avassaladora. Não as abria nunca, pegava no molho, acariciava-as com os dedos e voltava a pô-las no lugar.
Nesse dia não resistiu, tirou com cuidado duas cartas, procurou-as pelos selos, ambas tinham sido escritas em Itália e reflectiam de forma quase violenta, o sentimento de ausência, o desejo avassalador, o tormento da separação.
Leu-as emocionada entre a raiva e a frustração; nunca, nunca aceitaria a ruptura, o desencontro…
Restavam-lhe as cartas, mas lê-las queimava-lhe a alma, abria feridas, sangrava. Não queria ler mais, fechou uma, deixou outra aberta sobre a cómoda; não tinha conseguido chegar ao fim, precisava de a ler mais uma vez. Saiu do quarto, triste, estonteada, já não sabia onde estava, recostou-se na cadeira e fechou os olhos, adormeceu.
Filipe não a viu quando chegou, costumava encontrá-la no jardim, ou na sala a ouvir música.

Procurou-a no quarto, olhou à volta, a carta aberta em cima da cómoda, começou a ler e sentiu que a vida lhe fugia das mãos, que entrava ser querer no passado e intimidade da mulher que amava… e ela, será que o amava também?

Sereia

Vi-te, mergulhavas no rio calmo e tudo se confundia, fresca, leve, eras água, como a água era leve e fresca.
Emanava de ti uma sensação de completa liberdade, com braçadas seguras avançavas, levada um pouco pela corrente e afastavas-te cada vez mais.
Queria apanhar-te, corri como nunca, como corri…Não me viste a mim pobre mortal,  e tu deusa inatingível desapareceste na curva do rio.