sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"L'Important c'est la rose, c'est la rose..."



Amélia passava todos os dias pelo pequeno jardim da biblioteca. Lá estava ele o jardineiro, velhote, quase careca, as mãos calejadas, cuidando das flores.
 As rosas eram o seu orgulho, floresciam despudoradas, poderosas, altivas. Ele olhava-as com desejo, nunca tinha tido uma mulher bonita, a sua, a Joaquina, engordara, estava quase tão careca como ele e desdentada. Com as rosas, todas as infidelidades eram permitidas. Ele até pusera nomes às roseiras, Vitória, Bárbara, Madalena; depois havia o tempo da poda, aí ele sentia o coração partir-se, as lágrimas vinham-lhe aos olhos.
Amélia observava-o; apreciava a persistência, a disciplina com que cuidava aquele recanto florido. Era a única altura do dia que Amélia deixava de pensar na sua matemática, sim porque a matemática era dela, adorava os números, a precisão, o rigor. Sabia, sabia não, fazia de propósito para que as suas aulas fossem difíceis, herméticas, para que os alunos se encolhessem nas cadeiras, tentassem desaparecer, se anulassem, ninguém se atrevia a perguntar fosse o fosse, ninguém ousava ter dúvidas, porque uma dúvida era motivo para uma palavra áspera, uma expressão irónica.
Amélia era alta, magra, quase bonita, o belo cabelo castanho apanhado num sóbrio e discreto rabo-de-cavalo. Zé o jardineiro já reparara que ela abrandava o passo quando via as flores, olhava para as rosas, houve um dia em que chegou mesmo a entrar no jardim e a cheirar as “Bárbaras”. Eram as mais bonitas e também as que picavam mais, uns espinhos afiados que pareciam garras.
Nesse dia quente de Primavera, Amélia entrou outra vez no jardim. Zé aproximou-se e perguntou-lhe:
- A senhora quer uma rosa? Já percebi que gosta delas quase tanto como eu.
-Sim, quero uma rosa, escolha a sua preferida.
José cortou uma rosa amarela, e entregou-lha dizendo:
-Acho que se parece com a senhora.
Amélia esboçou um sorriso e entrou na aula; pousou a rosa em cima da secretária e para espanto de todos disse sorridente:

-Hoje a aula vai ser diferente. Em vez do rigor e das dificuldades das equações, eu queria que vocês escrevessem um conto sobre um jardineiro cansado e já velho mas que é capaz de fazer florescer estas rosas extraordinárias, fruto do seu trabalho, da sua persistência, da sua “paixão”…podem começar.

2 comentários:

  1. Lindo, Helena, e cheio de esperança. Um enorme beijinho para si!

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  2. A si o devo minha querida, sem o seu estimulo eu escreveria? Sim, "mas não era a mesma coisa!!!" Beijo

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