Era o espaço que lhe tinham dado. Uma
cela estreita e húmida, uma fresta no tecto por onde passava uma réstia de luz.
Sentou-se
na beira da cama e deixou que as lágrimas corressem. Só assim conseguia
sossegar e lembrar-se que era humana. Naqueles dias que antecederam a sua
prisão, esquecera-se de quem era, perdera a noção do tempo, as imagens
confundiam-se, misturavam-se, apareciam de forma confusa e depois os
interrogatórios sem fim, brutais, a memória que falhava, o desejo de acabar, de
morrer.
Depois atiraram-na para aquele buraco. Em
cima da cama dura e estreita, em cima do cobertor tão cinzento como as paredes,
alguém tinha deixado um livro. Olhou-o, era grande, não percebeu o título…”Um
dia os teus olhos abrem-se”.
Folheou-o
ao acaso, trezentas e sessenta e cinco páginas, uma letra pequena, difícil de
ler. Trezentas e sessenta e cinco páginas, trezentos e sessenta e cinco dias
era o que lhe tinham dito que passaria ali. “Coincidência” …pensou.
Começou
a ler, a autora era uma mulher, que também estivera presa. Ela ficou presa à
escrita, intensa, dramática, comovente. Estava escuro já não conseguia ler…e de
repente percebeu; aquele livro não estava ali por acaso, alguém lhe quisera dizer
que o livro era um presente.
“Uma
página por dia. Tenho direito a uma página por dia. Assim ficarei à espera do
momento, da hora mágica em que me posso oferecer a leitura de uma página, só uma
mas sempre até ao final.”
Trezentas
e sessenta e cinco páginas. Agarrou o livro com força, apertou-o contra o
coração “Serás o meu companheiro, o meu confidente, o meu amante, ser-te-hei
fiel até ao fim e depois se puder levo-te comigo e ler-te-hei como me apetecer.
Um capítulo num dia, uma semana sem te tocar, terei a liberdade para te
desperdiçar, para quase te esquecer e depois ler-te com sofreguidão.”
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