terça-feira, 22 de abril de 2014

Quando os teus olhos se abrirem…



Era o espaço que lhe tinham dado. Uma cela estreita e húmida, uma fresta no tecto por onde passava uma réstia de luz.
Sentou-se na beira da cama e deixou que as lágrimas corressem. Só assim conseguia sossegar e lembrar-se que era humana. Naqueles dias que antecederam a sua prisão, esquecera-se de quem era, perdera a noção do tempo, as imagens confundiam-se, misturavam-se, apareciam de forma confusa e depois os interrogatórios sem fim, brutais, a memória que falhava, o desejo de acabar, de morrer.
Depois atiraram-na para aquele buraco. Em cima da cama dura e estreita, em cima do cobertor tão cinzento como as paredes, alguém tinha deixado um livro. Olhou-o, era grande, não percebeu o título…”Um dia os teus olhos abrem-se”.
Folheou-o ao acaso, trezentas e sessenta e cinco páginas, uma letra pequena, difícil de ler. Trezentas e sessenta e cinco páginas, trezentos e sessenta e cinco dias era o que lhe tinham dito que passaria ali. “Coincidência” …pensou.
Começou a ler, a autora era uma mulher, que também estivera presa. Ela ficou presa à escrita, intensa, dramática, comovente. Estava escuro já não conseguia ler…e de repente percebeu; aquele livro não estava ali por acaso, alguém lhe quisera dizer que o livro era um presente.
“Uma página por dia. Tenho direito a uma página por dia. Assim ficarei à espera do momento, da hora mágica em que me posso oferecer a leitura de uma página, só uma mas sempre até ao final.”

Trezentas e sessenta e cinco páginas. Agarrou o livro com força, apertou-o contra o coração “Serás o meu companheiro, o meu confidente, o meu amante, ser-te-hei fiel até ao fim e depois se puder levo-te comigo e ler-te-hei como me apetecer. Um capítulo num dia, uma semana sem te tocar, terei a liberdade para te desperdiçar, para quase te esquecer e depois ler-te com sofreguidão.”

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