terça-feira, 4 de março de 2014

“Não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe”




A mãe repetia-lhe vezes sem conta:
- Ó rapariga tu não percebeste que o homem não presta; lá porque é bonito e toca guitarra, andas toda enfeitiçada. Largaste o João, trabalhador, honesto, para andares com esse vadio do Raul.

A rapariga nem respondia, para quê… a mãe nunca iria perceber. O João era um chato, sempre a falar em trabalho, e o futuro, e a casa que ia  comprar, e as flores que gostava de plantar.
Raquel queria era dançar, rodopiar, e nos braços do Raul a vida era um tango arrebatador e sensual. Todo o seu corpo vibrava, as pernas entrelaçadas, os corpos em uníssono. Uma cegueira perigosa.

O João não existia, só de pensar nele bocejava, a mãe bem podia esquecer, e as palavras dela entravam-lhe por um ouvido e saíam por outro.
Nessa noite havia festa no salão de baile da pequena cidade. Lá estaria Raul e o seu olhar atrevido, as frases sussurradas e lascivas. Raquel antecipava o prazer da dança, as mãos dele apertando-a com força, o corpo que se requebra, que se encosta, que se solta.
Nove meses depois Raquel dá à luz uma rapariga cheia de caracóis pretos como o pai. Raul desaparecera; uns diziam que tinha ido para o Brasil, outros que tinha sido preso.
Durante nove meses Raquel chorou, amadureceu, mas levou a gravidez até ao fim. Aquela vida que se formava dentro dela, dera-lhe forças para continuar. A mãe desolada e triste, não deixou de a apoiar e nesse dia com a filha nos braços, Raquel sorria novamente .
Em cima da mesa do quarto do hospital, um ramo de flores brancas e um bilhete:
“Foste muito corajosa, admiro-te”. João

HB




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