domingo, 27 de outubro de 2013

Serial Killer


A cadela era doida varrida, linda também. Uma setter ruiva, nervosa, indisciplinada e um verdadeiro terror para a vizinhança. Não porque fosse perigosa, mas porque não havia bicho de penas que lhe resistisse. Blondie chamava-se a setter.
No Verão quando a família se mudava de armas e bagagens para a casa da praia, a Blondie talvez excitada pelo ar do mar e o vento fresco da serra, entrava em perfeito delírio. Teria inspirado Hitchcock pelo suspense que criava cada vez que saltava a cercania e cavalgava, sim porque não corria, cavalgava, e cheirando penas ao longe, lá ia ela à procura da próxima vítima. Pintos, galinhas, patos, todos estremeciam à sua passagem, um deles sabia que tinha chegado a sua hora. E lá voltava a Blondie galopante e triunfante com penas a voar da boca e um piar lancinante da vítima inocente.
A Blondie fez voar um bando de perus que aterrados e espavoridos se refugiaram nos pinheiros mais próximos, horrendas aves pesadas, deslocadas do seu habitat natural e que se recusavam a descer dos ramos onde a custo se tinham abrigado.
As queixas eram muitas e a mãe, dona da setter caçadora, lá ia conseguindo driblar os pobres dos proprietários das aves assassinadas. A Blondie era uma serial killer.
O Sr. Conde, vizinho próximo, dizia-se que comprara o título no Vaticano por bom dinheiro, cioso da sua nobreza e da casa apalaçada recentemente adquirida, tivera a ideia grandiosa de colocar no lago do jardim, dois magníficos cisnes brancos que importara de Inglaterra. Claro que a Blondie os farejou, os cercou, os amordaçou e os pobres sucumbiram. E eis que quando mãe e filha todas aperaltadas de renda e tafetás, capelines de palha na cabeça, prontas para o casamento do sobrinho e primo querido, vêm surgir um conde espumante e furibundo, gesticulando e ameaçando a mãe de várias maneiras.

A cena era insólita, ao mesmo tempo ridícula, disparatada, e as gargalhadas explodiram irresistíveis, as capelines estremeceram, e o conde olhou com desprezo para as duas. “Pobres plebeias”, disse entre os dentes.

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